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Diagnóstico não é destino: conheça a história de famílias que adotaram crianças atípicas


 

Murilo (6 anos) é um menino alegre e sorridente, que adora passear, assistir desenhos, brincar ao ar livre e que sonha em ter uma família. Ele também foi diagnosticado com paralisia cerebral e autismo - e esse simples fato faz com que suas chances de ser adotado caiam para menos de 2%. O jovem atualmente participa da Busca Ativa por não ter pretendentes no Sistema Nacional de Adoção (SNA). Sua história não é exceção: em Pernambuco, entre as 144 crianças e adolescentes à espera de um lar, 26 (17,9%) têm alguma deficiência física ou intelectual. No entanto, dados do SNA revelam que apenas 1,7% dos pretendentes à adoção no estado estão dispostos a acolhê-las.

Mesmo com 896 pretendentes a adoção no estado, uma grande parcela de crianças e adolescentes enfrenta dificuldades para ingressar em uma família. Infelizmente, os dados apontam um padrão de candidatos que almejam por crianças pequenas, sem irmãos e sem doenças ou deficiências. Adolescentes acima de 16 anos têm uma chance quase nula de serem adotados, com apenas 3 pretendentes aptos. O mesmo acontece com crianças com problema de saúde, apenas 17,7% dos pretendentes tem intenção de adota-los.

Por este motivo, algumas crianças e adolescentes participam da Busca Ativa, uma medida adotada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para incentivar a adoção de jovens por meio da veiculação de posts humanizados com perfis de cada menino e menina que vive em instituição de acolhimento - no Instagram e Facebook. Confira o perfil das crianças e adolescentes inseridos na busca ativa em nossas redes sociais: Instagram: @ceja_pe e Facebook: Ceja-PE.

Foi através da busca ativa que a terapeuta Andrea Doria conheceu seu filho, Rúben, de 3 anos. Ela entrou em contato com a Comissão Estadual Judiciária de Adoção de Pernambuco (CEJA-PE), pelo e-mail, em março de 2024, e em maio, Rúben já estava morando com eles. A mãe recorda o momento que o viu pela primeira vez. “A sensação foi de reencontro! Um misto de emoções, por algum motivo parecia que esse tempo todo ele estava longe de mim – como se nós fossemos mãe e filho - mas que tinha chegado o momento de buscá-lo. Pode parecer estranho, mas foi exatamente o que senti”.

Os primeiros dias de adaptação trouxeram dificuldades, Rúben tem paralisia cerebral e faz uso de gastrostomia (GTT) e traqueostomia (TQT) - procedimentos que facilitam sua alimentação e respiração. Andrea e o marido, Jamim Leite da Silva, aprenderam como realizar cuidados específicos. Assim como todos os pais de ‘primeira viagem’, precisaram se adequar ao novo estilo de vida com o filho. “O início foi assustador, mas a vontade de fazer dar certo foi maior. Estudamos muito para realizar cada processo e tivemos ajuda por telefone de duas enfermeiras que eram cuidadoras dele, Gabriele e Carla”, relata.

Após um ano morando com os pais, Rúben não faz mais uso dos dispositivos ou de medicações. “Ele é outra criança! Agora estamos concentrados em ajuda-lo nas questões motoras e de comunicação”, afirma a mãe. Ela relata que encontrou uma rede apoio em grupos com mães de crianças que também possuem deficiências. “Participe dos eventos, socialize com outros pais de crianças com deficiência, conheça outras histórias. E principalmente, cuide da sua alma e do seu corpo, se fortaleça na fé e na saúde. E nunca se esqueça, diagnóstico nunca será destino!”, aconselha. 

Durante o processo de adoção de Rúben, os pais contaram com o apoio da assistente social Adriana Mendonça, e da pedagoga Luana Dantas, do Núcleo de Apoio ao Cadastro Nacional de Adoção (NACNA). A profissional, que acompanha de perto a realidade do Sistema Nacional de Adoção, expõe uma triste estatística. “Por alto, apenas 0,3% das famílias no SNA aceitam crianças com deficiência - é praticamente zero. O sistema não consegue garantir um lar para elas porque os pretendentes têm um perfil extremamente restritivo em relação a doenças e deficiências”, explica.

Adriana vai além dos números e aponta raízes sociais profundas por trás dessa resistência. “Existe uma lógica de produtividade que associa pessoas com deficiência à improdutividade”, explica, destacando como o capacitismo - a discriminação baseada na capacidade física ou intelectual - está entranhado no inconsciente coletivo. Para ela, a via da busca ativa acaba sendo uma alternativa e um mecanismo importante para humanizar o processo de adoção e desfazer esses preconceitos. “É onde eles conseguem ser mais do que um número e um diagnóstico. Tem lá um rostinho, uma história, e a gente consegue realizar essas adoções incríveis através da busca ativa”, comenta.


 

A trajetória de Ana Júlia, de 11 anos, é um desses casos que desafiam estatísticas e aquecem corações. Assim como Andrea, seus pais, Fabíola da Silva e Samuel José da Silva, viram a filha pela primeira vez na página do Instagram do CEJA-PE. O casal não hesitou e entrou em contato com a Comissão e, em 16 de maio de 2024, receberam a autorização para conhecê-la. Uma semana depois, auxiliados pela assistente social Adriana, realizaram a primeira visita. “Ela veio correndo nos abraçar e foi como se aquele abraço falasse: ‘Eu estava esperando por vocês, papai e mamãe’. Naquele momento, o amor que sentíamos era de pai e mãe”, descreve Samuel. 

Ana Júlia tem síndrome de Down e Transtorno do Espectro Autista (TEA). Por ser não verbal enfrenta alguns desafios de comunicação, exigindo dos pais dedicação e criatividade. Mas, para Fabíola, o maior apoio que uma família atípica pode oferecer vai além de técnicas ou terapias. “O adotante tem que ter um amor verdadeiro, muita paciência e lembrar que somos nós que temos que entrar no mundo delas e não o contrário”.

Murilo, Rúben e Ana Júlia são rostos por trás dos números - crianças que desafiaram as estatísticas e encontraram um lar. Suas histórias, no entanto, continuam sendo exceção, enquanto centenas de pretendentes buscam um "perfil ideal" que muitas vezes não existe, dezenas de crianças esperam por uma família em Pernambuco.

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Texto: Victória Brito | Ascom TJPE
Fotos: Cortesia