Navegação do site
Era para ser uma manhã qualquer de segunda-feira. Mas para dezenas de gestores, coordenadores e professores de Vitória de Santo Antão, será o dia em que a realidade mais dura baterá à porta da sala de aula. O TJPE, por meio do Comitê Gestor da Primeira Infância e do Centro Especializado de Acolhimento às Vítimas de Crimes e Atos Infracionais (CEAVida), desembarca na cidade para enfrentar uma verdade incômoda: segundo pesquisas recentes, a cada 24 horas, há 124 denúncias de abuso de crianças no Brasil. E em 70% dos casos, o agressor está dentro de casa.
O cronômetro não para. Enquanto essas linhas são escritas, alguma criança está sendo violentada. Os números são mais que estatísticas — são vidas roubadas, sonhos fragmentados, infâncias que nunca mais serão as mesmas.
O epicentro dessa tragédia nacional não está nas ruas escuras ou em bairros perigosos. Está dentro dos lares, onde deveria haver proteção. A residência das vítimas é o local de ocorrência de 70,9% dos casos de violência sexual contra crianças de 0 a 9 anos de idade e de 63,4% dos casos contra adolescentes de 10 a 19 anos. E o agressor? Em quase 70% dos casos é alguém que a criança conhece, confia, chama de pai, padrasto, tio...
O Centro Especializado de Acolhimento às Vítimas de Crimes e Atos Infracionais (CEAVida), vinculado à Coordenadoria da Infância e Juventude do TJPE e instalado em abril de 2023, no Centro Integrado da Criança e do Adolescente de Recife, fomenta a execução da Política de Atenção e Apoio às Vítimas de Crimes e Atos Infracionais do TJPE em âmbito estadual. "Pensamos nos espaços para serem acolhedores. Por isso, evitamos ter uma decoração corporativa. Investimos em elementos mais residenciais, acolhedores nas salas instaladas no CICA. Cada detalhe foi planejado para que a vítima se sinta segura", pontuou Denise Silveira, gerente do CeaVida.
Além de sua estrutura física cuidadosamente projetada para acolher as vítimas, principalmente as crianças e adolescentes, o CEAVida é muito mais do que um espaço bonito. É uma revolução silenciosa na forma de acolher as vítimas de crimes e atos infracionais, disponibilizando informação, proteção e cuidado, não apenas para as vítimas diretas, mas também para seus familiares, inclusive para as pessoas que ainda não têm processo no Judiciário.
Por meio do seu Comitê Gestor da Primeira Infância, o TJPE desenvolve uma articulação inovadora entre as Políticas Judiciárias da Primeira Infância e a Política Judiciária de Atenção de Apoio às Vítimas de Crimes e Atos Infracionais. E essas ações chegaram à Vitória de Santo Antão.
Nesta segunda-feira (19.05), exatamente um dia após o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, gestores, coordenadores e professores de todo o município se reunirão na UNIFIACOL para participar da ação "Educar é Proteger”. Das 8h30 às 12h, eles receberão formação sobre como identificar, acolher e proteger crianças vítimas de violência sexual.
A necessidade dessa formação se torna ainda mais urgente quando observamos os dados específicos de Pernambuco. A desigualdade estrutural do Brasil está expressa nos números. A média diária de denúncias de abusos contra crianças e adolescentes pretos, pretas, pardos e pardas foi de 70 notificações. Já os casos em que as vítimas são brancas e amarelas foram cerca de 43.
O que mais assombra é a reincidência. Quase 40% das vítimas que buscaram atendimento voltam com relatos de novos episódios. Duas em cada cinco registros são de vítimas que já passaram pela violência anteriormente. O sistema falha repetidamente em proteger aqueles que mais precisam.
O evento em Vitória de Santo Antão não é apenas sobre legislação ou protocolos. É sobre salvar vidas. É sobre dar aos professores as ferramentas necessárias para identificar os sinais que uma criança agredida pode manifestar. É sobre criar uma rede de proteção que funcione quando a própria família se torna o algoz.
No fundo, a ação em Vitória de Santo Antão é sobre esperança. Num país onde estima-se que apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes sejam, de fato, notificados às autoridades, cada professor capacitado representa uma chance a mais de quebrar o ciclo de violência.
ARACELI CRESPO - A escolha da data — 19 de maio — não é coincidência. É exatamente o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, data que marca o sequestro, violação e assassinato da menina Araceli Crespo, de 8 anos, em 1973. No Brasil, 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data faz referência ao caso da menina Araceli Crespo, de 8 anos, que foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada em 18 de maio de 1973, em Vitória (ES).
Mais de 50 anos depois de Araceli, o Brasil ainda assiste, perplexo, ao aumento dos casos de violência sexual infantil. A educação dos profissionais de ensino é uma das últimas fronteiras nessa guerra silenciosa. Em Vitória de Santo Antão, gestores, coordenadores e professores terão a chance de se transformar em guardiões da infância.
A conta regressiva continua. Mas talvez, com mais educadores preparados, possamos fazer com que menos crianças sejam apenas estatísticas nessa tragédia nacional. A luta é de todos. A responsabilidade, idem.
.........................................................................................................................
Texto: Ana Paula Santos | CIJ TJPE
Imagem: Núcleo de Publicidade e Design | Ascom TJPE