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Juiz do 12º Juizado Especial Cível da Capital, desde fevereiro deste ano, José Fernando Santos de Souza, de 64 anos, encarou por mais de uma década o desafio de trabalhar com processos na área de adoção como uma causa, como ele diz um “sacerdócio”. Os casos que analisou na área da Infância e Juventude ao longo da sua carreira em Palmares e Caruaru remetem à sua história. Ainda recém-nascido foi entregue pela mãe biológica, numa caixa de sapato, a uma dona de casa, no meio da Praça Pedro Américo, em João Pessoa, na Paraíba. Era a década de 1960, tempo em que era difícil para uma mulher grávida, deixada pelo pai da criança, voltar para a casa dos familiares e ser aceita com um bebê. Desde então, José Fernando se tornou filho único da dona de casa Maria Luíza Santos de Souza e do policial militar Edson Marinho de Souza.
“Não guardo sentimento de mágoa em relação à minha mãe biológica. Diante da situação que vivia, ela poderia ter me jogado numa lata de lixo, por exemplo, ou ter praticado um aborto, mas optou por me entregar a uma mulher que ela julgava ser uma boa pessoa”, avalia. Criado por uma família simples, José Fernando recebeu dos pais a principal lição que levou para o resto da vida e que para ele fez toda a diferença: estudar com afinco. “Percebi desde criança, com a ajuda dos meus pais, que quando você vem de uma família sem recursos não há outra possibilidade de conquistar um futuro melhor que não seja por meio da aplicação nos estudos, da leitura, da capacitação. Sempre vi a escola como a única alternativa de um futuro promissor”, conta.
Até os 6 anos de idade, José Fernando foi criado no município de Pedra de Fogo, interior da Paraíba. Depois, foi com a família para João Pessoa, onde concluiu o ensino médio e sonhava ser economista “para trabalhar no Banco Central”. Ao fazer a inscrição para o vestibular, no entanto, seguiu o conselho da então namorada, hoje esposa Maria de Lourdes Ferreira de Souza, e se inscreveu para o curso de Direito. Passou no vestibular e cursou Direito no Centro Universitário de João Pessoa (Unipê), de 1982 a 1987. “Quando comecei a fazer o curso, já compreendi que a magistratura seria o caminho que eu queria trilhar para minha vida”, afirma. A realização do sonho veio um pouco depois. Após a graduação, atuou como analista judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, em João Pessoa, e exerceu a advocacia na Paraíba.
Em 1994, Fernando ingressou na magistratura do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Primeiro foi juiz substituto da 2ª Vara Cível da Comarca de Palmares, a qual tem competência para os feitos relativos à Infância e Juventude. Em seguida, atuou em Macaparana, que é Vara Única, julgando todo tipo de ação. Depois foi para o Fórum de Água Preta, hoje com duas Varas Únicas, onde também atuou na tramitação de todo tipo de ação processual. Chegou à cidade de Caruaru, em 1998, quando foi promovido por merecimento, e começou a atuar na Vara da Fazenda Pública.
No município, voltou a trabalhar com processos da Infância e Juventude em fevereiro de 2017, assumindo a Vara Regional da Infância e Juventude da 7ª Circunscrição. A unidade judiciária atende a 42 cidades do interior do Estado, em relação ao trâmite de processos de jovens em conflito com a lei e em cumprimento de medidas socioeducativas, e a 16 comarcas com ações relacionadas à adoção. A partir de fevereiro deste ano, ele iniciou uma nova parte da sua história como juiz titular do 12º Juizado Especial Cível da Capital.
”Acredito que a minha história pode ser definida como um exemplo de resiliência, superação e transformação pessoal. Essa narrativa encapsula uma jornada desde o abandono até o êxito, onde uma criança, que começou sua vida sendo entregue a uma mulher em uma praça pública, dentro de uma caixa de sapatos, conseguiu não só sobreviver, mas também prosperar. Estudou com determinação, foi aprovado em um concurso público para se tornar juiz de direito, e ironicamente (e simbolicamente) assumiu o papel de juiz da infância e juventude, onde teve a oportunidade de presidir processos de adoção, ajudando a proporcionar novos lares para crianças como ele um dia foi", pontua.
"Essa história poderia ser descrita como uma trajetória de renascimento social e de justiça retributiva, onde alguém que começou a vida em circunstâncias difíceis alcança uma posição em que pode garantir que outras crianças tenham destinos melhores e mais seguros. A ideia de um ciclo de transformação, de vítima à autoridade que protege, confere à narrativa um forte simbolismo e inspiração. Acabei virando referência para muitos jovens e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade, ou para aqueles que esperam a oportunidade de fazer parte de uma família por meio da adoção que moram em instituições de acolhimento, e que conhecem minha trajetória. Um dos meninos acolhidos disse para mim um dia: ‘quando crescer, quero ser juiz’. Isso para mim não tem preço. Sinto-me muito gratificado por tudo o que aconteceu na minha vida”, completa.
O maior sentimento de gratidão que ele diz ter é em relação aos pais, já falecidos. O pai, Edson Marinho de Souza, faleceu em 1983, e a mãe, Maria Luiza Santos de Souza, em 2011. “Fui muito abençoado em tê-los na minha trajetória. Vivi num ambiente de poucos recursos, mas de muito amor. Isso, no final das contas, é o que realmente importa. Agradeço a eles por ter tido a oportunidade de seguir a vida, de ter me realizado profissionalmente e também no âmbito pessoal. Se houver outra vida quero ficar com eles para sempre. Acredito num reencontro de almas”, revela. Hoje, José Fernando construiu também uma família. Tem esposa, três filhos e quatro netos. Quando olha para o passado, ele avalia: “tudo tinha um propósito de ser”.
Legislação – Sobre a forma como foi adotado, por meio da adoção direta, da entrega da criança a uma família, o magistrado afirma que era a prática comum na época. Com a criação do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), em 2008, pela resolução 54/2008 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a forma de adoção foi modificada. Passou a ser necessário ser inscrito no Cadastro, que foi denominado Sistema Nacional de Adoção (SNA) a partir de 2019. Por meio do site do CNJ foram adotados, a partir de 2019, 23.791 crianças /adolescentes.
Para adotar atualmente é preciso ser inserido no SNA, após a realização de um curso de pretendente à adoção e a decisão favorável do juiz da Vara da Infância e Juventude ou da unidade judiciária que atue na comarca na área. Na sequência, é necessário passar por um estágio de convivência com a criança ou o adolescente. Depois do estágio, o juiz da comarca competente da criança a ser adotada profere a sentença deferindo ou não a adoção.
O cadastro, que posteriormente foi denominado SNA, foi instituído para auxiliar juízes das varas da Infância e Juventude na condução dos processos de adoção. Interligando os tribunais de Justiça, a ferramenta facilita o cruzamento de dados de acordo com as preferências dos candidatos à paternidade e o perfil das crianças e dos adolescentes disponíveis nas instituições de acolhimento do país e traz mais segurança jurídica ao processo.
A adoção direta, realizada fora do SNA, é hoje uma exceção. Ela é permitida em apenas três casos disciplinados do parágrafo 13 do artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O primeiro caso é a adoção unilateral quando é feita pelo cônjuge, companheiro ou companheira; o segundo, é a adoção parental quando é realizada por um parente da criança ou do adolescente; e a terceira situação é quando a adoção é concretizada por uma família em relação a uma criança que não tem vínculo de parentesco.
Nesse último caso, o ECA permite a adoção quando a criança tem mais de três anos de idade ou é um adolescente que já se encontra sob a guarda da família adotiva, desde que seja comprovada a fixação de laços de afinidade e afetividade entre a família adotiva e o adotando, e não seja constatada má-fé.
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Texto: Ivone Veloso | Ascom TJPE
Foto: Cortesia