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Há momentos em que nem as chuvas torrenciais conseguem apagar o calor humano. Em Vitória de Santo Antão, mais de 160 pessoas desafiariam qualquer temporal para estar presente no seminário que encerrou a Semana Municipal da Adoção. O evento, realizado no auditório do Centro Universitário UNIVISA, foi o desfecho de uma semana inteira dedicada a um tema que ainda encontra resistências silenciosas na sociedade brasileira: a adoção de crianças.
O que chamou a atenção não foi apenas o número expressivo de participantes, mas a qualidade das reflexões e a coragem de enfrentar verdades incômodas. O Seminário: Adoção e Primeira Infância – aspectos fundamentais da garantia à convivência familiar e comunitário, trouxe a psicóloga clínica Suzana Sofia Moeller Schettini, mestre em sua área e uma das principais vozes na luta pela cultura adotiva no país, para a discussão.
Ela explicou a importância dos Grupos de Apoio à Adoção (GAA’s). "Os GAA’s fazem um trabalho de formiguinha, incansável. Somos 250 grupos espalhados pelo Brasil", declarou Suzana, revelando uma rede de solidariedade que opera longe dos holofotes. "À medida que esse trabalho avança, conquistamos marcos na legislação e nos calendários municipais e estaduais. E vamos desmistificando os mitos e preconceitos que doem na alma de quem é pai adotivo. E outro ponto importante: nós não rivalizamos com as varas da família”, acrescentou Schettini
A fala da psicóloga tocou em um ponto nevrálgico: os preconceitos que ainda cercam a adoção no Brasil. Quando ela falou sobre "abrir espaço para o amor" e mostrar "a possibilidade de adoção de crianças maiores, com deficiência e grupos de irmãos", estava se referindo a milhares de crianças que permanecem invisíveis nas estatísticas oficiais – aquelas que não se encaixam no perfil idealizado pela maioria das famílias que buscam a adoção.
O seminário não foi apenas um evento acadêmico. Foi uma declaração de princípios. A neurocientista e secretária da Primeira Infância, Waleska Maria Almeida, abriu os trabalhos enfatizando os cuidados parentais no desenvolvimento infantil – um lembrete de que o direito à convivência familiar vai muito além dos aspectos legais.
A programação seguiu com o psicólogo Paulo Teixeira, da Coordenadoria da Infância e Juventude, e Ana Claudia Souza, psicóloga da 2ª da infância da capital, apresentando os programas institucionais Entrega Responsável e Mãe Legal. Estes programas representam uma mudança de paradigma: em vez de criminalizar mulheres que renunciam da maternagem, oferecem alternativas dignas e seguras para exercício do seu direito.
O juiz Thiago Meirelles, da Vara da Infância e Juventude e um dos anfitriões do evento, não escondeu sua satisfação com o resultado. "Foi surpreendente ver tanta gente reunida em um dia atípico como esse, devido às fortes chuvas", comentou. Para ele, o seminário representou muito mais que um evento isolado: foi a culminância de uma semana dedicada a "uma primeira infância segura e responsável".
Por trás dessa iniciativa está o Comitê Intersetorial da Primeira Infância, uma parceria estratégica entre o Tribunal de Justiça de Pernambuco, através da Coordenadoria da Infância e Juventude, a Prefeitura de Vitória de Santo Antão e instituições como o COMDICA, UNIVISA e UNIFACOL, dentre outras .Essa articulação interinstitucional revela uma compreensão madura de que a proteção da infância exige esforços coordenados.
Suzana Schettini encerrou sua participação com uma declaração que resume o espírito do evento: "Não trabalhamos para receber os louros. Eu decidi que estar aqui falando de adoção é minha missão de vida. Por isso, deixei meu consultório esta tarde chuvosa para estar aqui. E que tarde linda estamos vivenciando."
Essa frase revela algo profundo sobre o movimento em prol da adoção no Brasil: é impulsionado por pessoas que transformaram uma causa em vocação. São profissionais, voluntários e famílias que acreditam que toda criança e adolescente têm direito não apenas a um teto e comida, mas ao afeto genuíno e à sensação de pertencimento.
A Semana da Adoção de Vitória de Santo Antão deixa um legado importante: demonstra que é possível mobilizar uma comunidade em torno de um tema complexo e sensível. Mais que isso, prova que quando instituições públicas, acadêmicas e da sociedade civil trabalham em sintonia, podem criar espaços genuínos de transformação social.
Enquanto os últimos participantes deixavam o auditório da UNIVISA naquela tarde chuvosa, levavam consigo mais que conhecimento técnico. Carregavam a certeza de que a proteção à primeira infância é uma responsabilidade coletiva e que o direito à convivência familiar não pode ser privilégio de poucos.
Em tempos de polarização, individualismo crescente e “bebês reborn”, iniciativas como esta lembram que o cuidado com as crianças e adolescentes mais vulneráveis continua sendo um dos indicadores mais precisos da maturidade de uma sociedade. Vitória de Santo Antão deu um exemplo que merece ser replicado.
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Texto e fotos: Ana Paula Carvalho | Ascom CIJ